A Banda Bistrô
Lá pelos idos de 2012, os irmãos Wallace Laender, Peterson Carlos e Vinny Soares mais o amigo Leo Brito resolveram iniciar uma série de encontros gastronômicos caseiros, temperados com música, como forma de unir esses dois talentos que eles compartilhavam.
O grupo surgido na informalidade doméstica começou a se apresentar em eventos universitários, festas particulares e também em cidades do interior do estado. Embalados nesse processo, os quatro se permitiram sonhar com uma carreira profissional. Passados 10 anos, a distância entre o sonho e a realidade tornou-se consideravelmente mais curta.
Batizado Bistrô – numa alusão direta aos dotes culinários que têm (Peterson e Leo são chefs de cozinha).–, o grupo lançou em 2022 o EP “Minha preta”, com a chancela da Sony Music.
Ao longo dos últimos 10 anos, o Bistrô vem construindo paulatinamente sua trajetória. Tanto é assim que, antes de “Minha preta”, o grupo já contabilizava alguns registros fonográficos: o álbum “Por que não?”, de 2018, os EPs “Eternos namorados” e “Bistrô de Natal”, ambos de 2020, e alguns singles dispersos, apresentados ao público a partir de 2017.
“A gente já está na música há muito tempo, desde pequenos eu e meu irmão já tocávamos na igreja. Depois começamos a fazer shows amadores, tocando cover de sucessos da MPB”, diz o vocalista Wallace, acrescentando que, certo dia, um dos integrantes disse que tinha feito uma música. Foi o início da produção autoral do Bistrô.
E foi graças a ela que a banda viu seu raio de alcance se ampliar. Wallace conta que, em 2017, compôs a música “Te amando calado”, que estourou na internet, chegando, conforme diz, a receber comentários elogiosos de atores da Rede Globo.
“Ali a gente começou, de fato, a acreditar na banda como um projeto profissional. Eu já tinha noção de que o trabalho que vínhamos fazendo tinha qualidade, mas quando essa percepção vem de fora, é um reforço muito importante”, diz o vocalista.
“Te amando calado”, que traz uma letra romântica conduzida por violão, violoncelo e a voz suave de Wallace, está disponível no Spotify, tem um clipe muito bem produzido no YouTube e, agora, foi incorporada ao repertório do EP “Minha preta”.
Outro ponto de virada determinante na trajetória do Bistrô veio no final de 2020, com o lançamento de “Bistrô de Natal”. Com o repertório disponibilizado nas plataformas, uma das faixas do EP, intitulada “Vida”.
O Ep “Minha preta” traz seis faixas, sendo cinco autorais – “Menina dos olhos puxados”, “Hora de partir”, “Te amando calado”, o single “Vou te namorar” e a que dá título ao EP – e uma versão, para “Tatuagem”, de Chico Buarque. Sobre a visita à obra do icônico compositor, Wallace diz que ela remonta a 2009, quando ganhou de presente de sua esposa a discografia completa dele. O casal mergulhou na audição de Chico e, eventualmente, ele tirava alguma música ao violão.
“Aprendi a tocar ‘Tatuagem’ e a gente sempre cantava. Foi uma música que deu liga, o arranjo que fizemos, nossas vozes, minha e da minha esposa, tudo encaixou. Agora, quando o pessoal da Sony veio e perguntou se tinha alguma música de outro autor que a gente gostava, sugeri ‘Tatuagem’. Até 2009 eu ainda não tinha me aprofundado na obra do Chico, não tinha sacado o letrista genial que ele é; eu era mais ligado em Caetano e Gil”, conta.
Ele ressalta que “Tatuagem” é uma música de amor que dialoga bem com outras letras de mesmo teor do repertório autoral do Bistrô, por isso entrou no EP. O registro da canção – uma versão, não apenas um cover, conforme aponta – feito para “Minha preta” conta com a participação da esposa, Simone, dividindo os vocais. “Ela tem uma voz linda, canta muito bem. Temos uma outra música que a gente canta juntos, muito bonito, ‘Tchunderundê’. Ela não tem vontade de ser artista, mas topou gravar ‘Tatuagem’ comigo”, diz.
Ao citar Chico Buarque, Caetano e Gil, Wallace entrega um pouco das referências presentes no trabalho do Bistrô, mas ele pondera que o grupo busca não se ater a um gênero específico e que seu caldeirão sonoro abarca muitos outros ingredientes. “Fomos criados numa família cristã, então tem muita música religiosa na base da nossa formação. Na juventude você vai descobrindo outras coisas. A MTV nos trouxe muito pop rock, Michael Jackson, o pagode daquela época, o samba”, diz.
“Sem bandeira nem panfletagem, mas pelo fato de sermos negros, tem também uma herança africana no nosso som, um suingue natural, que é nosso. Da MPB, a gente bebe em Djavan, Caetano, Chico, mas também nas bandas de pop rock. A gente não liga muito para rótulo, mas tem um pouco de tudo, rock, pop, MPB, black music, sem preconceito nenhum. Queremos conversar com todas as tribos na nossa caminhada, mas mantendo a identidade”, afirma.
Wallace é o principal compositor do grupo – posto a que foi alçado a partir do sucesso de “Te amando calado” –, mas ele frisa que seus irmãos também têm a verve lírica e melódica afiada. A faixa-título do EP que chega ao público hoje é assinada pelos três.
“Nosso processo sempre foi muito coletivo. Desde o início, todo mundo compunha, e o que passava no crivo dos quatro era levado para os shows e para o estúdio. Temos sintonia para compor, falamos do que nossa música carrega: ela é sonhadora, tem esperança, tem dor, tem sofrimento, mas também é alegre, aceita todo mundo”, comenta.
Ele diz que, com o lançamento do EP “Minha preta”, o grupo se permite ser ambicioso em relação ao que projeta para o futuro. “O que a gente quer hoje é colocar o Bistrô na história da música popular brasileira. Existe a realização musical, o êxito financeiro e mercadológico, mas o propósito primeiro é simplesmente mostrar nossa música. Já temos mais de 50 canções pré-produzidas”, diz, deixando claro que a entrega dos 48 fonogramas prevista no contrato com a Sony está longe de ser um problema ou um desafio.
“Queremos um lugar na história da MPB, e para isso vamos lançar tudo o que a gente tem e considera que seja bom. Tem tantos artistas que passaram por nossa vida e nos deixaram tanta coisa com sua obra. São exemplos que ficam e embalam nossa história”, observa.
Para abrir os trabalhos do ano de 2023, a banda Bistrô encarou o desafio de enveredar-se pelo universo de Moraes Moreira e Luiz Galvão, dois grandes nomes da MPB que integraram a banda Novos Baianos, sucesso nos anos 70.
A homenagem é em forma de privilégio. Afinal, o grupo está lançando uma música inédita da dupla: a canção Amigo Joel, a única lançada após a morte de Moraes Moreira, ocorrida em abril de 2020.
“Essa oportunidade foi graças a uma proximidade e amizade de um de nossos agenciadores, que foi produtor executivo dos Novos Baianos. Ele apresentou nosso som para a viúva do Galvão, que é detentora dos direitos dessa música. Ela gostou e sentiu que seria interessante ver nossa versão de uma obra inédita de dois ícones da música popular brasileira”, revela Wallace Laender, vocalista da banda Bistrô.
“Obviamente ficamos honrados, e fizemos nossa versão, que serve como uma homenagem póstuma a eles”, complementa o baterista e vocal Leo Brito. “Qual músico não quer se associar a ícones históricos como estes dois? É muito feliz para nós esse laço logo no início da banda. Já posso dizer que fazemos parte da história da música baiana, não posso”, brinca.
Uma das motivações da banda para gravar Amigo Joel tem muito a ver com o espírito baiano, conta Peterson Carlos, vocal e contrabaixista da Banda Bistrô. “A música baiana sempre nos remete a alegria e a dias de sol. É sempre aquela música carregada de boa energia e criatividade. E não é diferente com essa. Esperamos que as pessoas gostem, que se divirtam”.
Nesse abraço caloroso ao qual a canção foi criada, nasceu junto mais um encontro entre Minas e Bahia. “Amigo Joel tem uma vibe alegre e bem humorada. É daquelas canções que aquecem o nosso coração. Foi com esse sentimento que nós topamos a ousadia de incorporar uma canção de uma dupla que fez história para a música nacional”, finaliza Vinny Soares, guitarrista e vocal da Banda Bistrô.